segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

O amor nos tempos do cólera

Florentino Ariza o escutou sem pestanejar. Depois olhou pelas janelas o círculo completo do quadrante da rosa náutica, o horizonte nítido, o céu de dezembro sem uma única nuvem, as águas navegáveis para sempre, e disse:

- Sigamos em linha reta, reta, reta, outra vez até a Dourada.

Fermina Daza estremeceu, porque reconheceu a antiga voz iluminada pela graça do Espírito Santo, e olhou o comandante: ele era o destino. Mas o comandante não a viu, porque estava anonadado pelo tremendo poder de inspiração de Florentino Ariza.

- Está dizendo isso a sério? - perguntou.
- Desde que nasci - disse Florentino Ariza - não disse uma única coisa que não fosse a sério.

O comandante olhou Fermina Daza e viu em suas pestanas os primeiros lampejos de um orvalho de inverno. Depois olhou Florentino Ariza, seu domínio invencível, seu amor impávido, e se assustou com a suspeita tardia de que é a vida, mais que a morte, a que não tem limites.

- E até quando acredita o senhor que podemos continuar neste ir e vir do caralho? - perguntou.

Florentino Ariza tinha a resposta preparada havia cinquenta e três anos, sete meses e onze dias com as respectivas noites.

- Toda a vida - disse.

Nenhum comentário: